sábado, 11 de dezembro de 2010

Incômodo.

Roçava as unhas pelos cabelos negros. Levava o copo à boca compulsivamente. Sorria amarelo. Olhava pros lados procurando não sei o que, não sei aonde. Faltava alguma coisa ali. O que era? Ela não sabia exatamente. Cantava a música que aprendeu por osmose e que no momento estava tocando no ambiente. Pensava sozinha o quanto existiam pessoas rasas, fúteis e supérfluas. Ouvia falarem sobre novela e fingia entretida (mesmo não assistindo porcaria nenhuma). Na maioria das vezes ela oscilava entre o mundo real e um mundo que só existia na cabeça dela. Fazia bem a ela.
Olhava em volta e se lembrava do texto que leu há um tempo atrás da Tati Bernardi: "esse povo deve ter gases e síndrome do pânico de tanto que chupa o abdômen e força a ossatura facial para parecer feliz. Em algum momento eles devem peidar e chorar e querer muito morrer." Ria consigo mesma. Achava aquela pose toda muito engraçada. Casais e seus filhos. Solteirões à procura de ninfetas. Loiras peitudas que imitam garotas de seriados americanos substituindo o cérebro por batons MAC. Tinha de todos os tipos. Parecia feira. Na verdade, todos ali, quando chegavam em casa se encolhiam nos próprios joelhos e se martirizavam por não serem realmente quem são. Ou não. Foda-se. Não importava para ela. Voltava a atenção para o assunto. Caramba, como ela gostava desse pessoal. Ela não entendia muito bem porque se sentia tão bem entre eles. Eles completavam ela de uma forma sem igual. Mas ainda faltava alguma coisa ali. Alguma coisa que a incomodava. Outro gole da bebida. Tá quente. Olha pro céu a procura de alguma estrela. Nada, só preto - detesto preto - pensava ela. Sempre gostou de cores. Gente colorida. É, eles eram coloridos. Da forma deles, mas eram. E ela gostava disso.
Sua cabeça ficava a mil por hora. Ao mesmo tempo em que descobria o nome do ator principal da novela, ela pensava na sua mãe e no que ela estaria fazendo a essa hora. Jantar. Hora de ir pra casa. Despedidas. Sono. É, ainda faltava algo. Enquanto caminhava, ela tentava não pisar nas linhas do chão. Mania boba adquirida na infância. Mas fazia bem a ela. 
Enfim em casa. Ela se jogava nos livros, nos filmes, nas músicas. Mas não encontrava aquilo que lhe faltava. No fundo. Bem no fundo. Ela sabia que a resposta não estava nos livros, nem nos filmes e muito menos na música. Tava dentro dela. E por isso, ia sempre incomodar, porque ela ia carregar para todos os lugares em que fosse. Falta. Bobagem. Com o tempo essa falta é ocupada por algo mais importante. Ela sabia que não era assim. Mas pensar assim a fazia se sentir superior. Babaquice, eu sei. Ela queria enganar quem? Enganar a si mesma? Fazia falta e ponto. Ela só sabia que aquilo a incomodava. Mas pelo menos ela sentia. E sentir, pra ela, já era uma forma de substituir a tal da saudade. E ela ia vivendo. 


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